Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da central um jovem daqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu.
Falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus.
Já acabei.
Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado fechei os olhos três ou quatro vezes.
Tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.
São muito bonitos.
Continue.
Vi-lhe fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso, mas não passou do gesto; estava amuado.
Os vizinhos, que não gostam dos meus hábitos reclusos e calado, deram cursos a alcunha, que afinal me pegou
No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios, e acabou alcunhando-me.
Dom Casmurro!
Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe põs o vulgo de homem e metido junto consigo.
Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo.
Tudo por estar cochilando!
Também não achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro daqui até o fim do livro, vai ser este mesmo.
Agora que expliquei o título, passo a escrever o livro.
Parte 2: Do Livro
Vivo só, com um criado. A casa em que moro é própria; fi-la construir de propósito.
Construtor e pintor entenderam bem as indicações que lhes fiz: é o mesmo prédio assombrados, algumas janelas a frente, varanda ao fundo, as mesma alcovas e salas.
O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui.
Um dia, há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga Rua de Mata-Cavalos.
O mais é também análogo e parecido.
Só se me faltassem os outros, vá: um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mais falto eu mesmo...